Já escrevi sobre os impactos dos fogos de artifícios, o texto foi publicado no Observatório da Imprensa, em 2013 (ver aqui). Nunca assisti a um show pirotécnico no Rio ou em outro lugar, meu interesse sobre fogos de artifício é por causa do impacto sobre a fauna, principalmente as aves. Entretanto, quanto mais leio sobre fogos de artifício e seus impactos, mais impressionada fico. Escrevo novamente sobre este tema, numa tentativa de conscientizar o público sobre o quanto é perigoso e nocivo produzir e soltar fogos de artifício.
O maior produtor de fogos de artifício do mundo é a China e o segundo o Brasil. O município de Santo Antônio do Monte, em Minas Gerais é o maior produtor no Brasil, mas os santoantonienses não costumam comemorar com fogos, por causa do extenso histórico de acidentes ( ver matéria 'Histórias de feridos em explosões em uma cidade que fabrica “foguetes”' , publicada no Diário da Manhã, em 5/7/2015). Os acidentes de trabalho na produção de fogos de artifício, geralmente são fatais ou mutilantes (para mais detalhes veja Vieira et al. 2001) .
Atualmente, a queima de fogos no Rio é a mais conhecida festa pirotécnica, no Brasil, presenciada por mais de 2 milhões de pessoas (ver matéria “Palcos do Réveillon de Copacabana recebem equipamentos; veja atrações“, publicada no G1, de 28/12), com a queima de 24 toneladas de fogos de artifícios, distribuídos em balsas por toda a orla, com uma duração estimada em 16 minutos. A festa adiciona 614 milhões de dólares (cerca de R$ 1,4 bilhão) à economia da cidade. Tudo começou em 1976, quando hotel Le Meridien iniciou uma cascata de fogos no seu prédio no Rio. Na virada de 2000 para 2001 um acidente grave com mortes e muitos feridos, em mais de um acidente com fogos de artifício no Rio ( ver matéria 'Fogos matam no Rio'e 'O horror dos fogos', publicada em Isto é: gente). Oito anos depois as vítimas ainda não haviam sido indenizadas (ver matéria 'Vítimas de tragédia durante queima de fogos em Copacabana ainda lutam por Justiça , publicada no Extra, em 26/12/2008.)
Outras cidades do país também realizam shows de pirotecnia na passagem de ano, como é o caso de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e São Paulo.
Pirotecnia mortal
Uma exibição de pirotecnia é considerada uma perturbação antropogênica e seus impactos sobre a vida selvagem representam uma justificada preocupação em termos de biologia da conservação. Para as pessoas que presenciam ou assistem pela TV, a pirotecnia é comumente vista como um grande e belo espetáculo. Cabe registrar, no entanto, que o barulho alto e repentino e as luzes brilhantes produzidos pelos fogos de artifício são uma fonte de estresse para muitos animais, tanto domésticos como selvagens. Um exemplo familiar é comumente presenciado por quem tem um cão. Os animais ficam muito agitados com o barulho, tentando se esconder; muitos latem, uivam ou até mesmo urinam. Estudos têm comprovado o que os tutores desses animais já sabiam: fogos de artifício representam uma experiência traumática para os cães.
A repentina mortandade de milhares de pássaros-pretos-da-asa-vermelha (Agelaius phoeniceus; “red-winged blackbirds”, em inglês), na pequena cidade de Beebe, no estado de Arkansas (Estados Unidos), na véspera da passagem de ano, em 2010, atraiu a atenção da mídia (ver as matérias “For Arkansas blackbirds, the New Year never came“, de Campbell Robertson, publicada no The New York Times, em 3/1/2011; e “Fogo-de-artifício terá causado pânico e morte a milhares de aves no Arkansas“, de Helena Geraldes, publicada no Público, em 4/1/2011). Imagens de radar mostraram que, naquela noite, grupos numerosos de aves deixaram os seus poleiros no meio de uma noite chuvosa. Fogos de artifício assustaram e desorientaram as aves, muitas das quais morreram ao se chocar violentamente contra obstáculos. Sem essa repentina perturbação, elas provavelmente teriam permanecido em seus poleiros noturnos.
Na Holanda, usando um radar meteorológico, um estudo quantificou a reação das aves aos fogos de artifício durante a passagem do ano, em três anos consecutivos (ver aqui; para detalhes técnicos, ver SHAMOUN-BARANES et al. 2011). Milhares de aves saíram em debandada pouco depois da meia-noite. Os bandos mais numerosos foram observados em áreas de pastagens e locais úmidos, incluindo áreas protegidas, onde milhares de aves aquáticas habitualmente descansam e se alimentam. Perturbações provocadas durante a época reprodutiva podem levar ao abandono de ninhos, deixando ovos e filhotes desprotegidos; isso eleva as taxas de mortalidade e contribui para uma redução nos efetivos populacionais.
Um coquetel perigoso
Durante um show pirotécnico podemos inalar uma grande quantidade de elementos químicos como: Sr (x86), K (x26), Ba (x11), Co (x9), Pb(x7), Cu (x5), Zn (4x), Bi(x4), Mg(4x), Rb(x4), Sb(x3), P(x3), Ca(x2), Mn(x2), As(x2), Ti(x2), SO4(x2) (para mais detalhes veja Moreno et al. 2010). Os números entre parênteses representa quantas vezes o elemento aumenta durante o show. Um risco para saúde e principalmente para os asmáticos.
Fogos de artifício também contaminam a água com perclorato (Sijimol MR & Mohan M. 2014; Wilkin et al. 2007; Motzer, 2001). O perclorato é um composto químico de um átomo de cloro e 4 átomos de oxigênio. É utilizado em airbag, produtos químicos industriais, explosivos e fogos. O perclorato é altamente solúvel em água e é persistente no ambiente. O perclorato pode afetar a função da glândula tireoide, que regula o metabolismo do corpo. Mulheres grávidas, fetos, bebês, crianças menores de 12 anos de idade e pessoas com hipotireoidismo são mais suscetíveis. Fogos lançados perto de água além de contaminarem a água, também contaminam organismos que vivem na água.
Feliz Ano Novo!
Referência citada
SHAMOUN-BARANES, J. & outros 5 coautores. 2011. Birds flee en mass from New Year’s Eve fireworks. Behavioral Ecology 22: 1173-7.
Fontes
Moreno et al. 2010. Effect of fireworks events on urban background trace metal aerosol concentrations: Is the cocktail worth the show? Journal of Hazardous Materials 183 :945-949.
Motzer, 2001.Perchlorate: Problems, Detection, and Solutions. < http://www.sciencedirect.com/…/article/pii/S152759220190059X>. Acesso em 28/12/2015.
Wilkin et al. 2007. Perchlorate Behavior in a Municipal Lake Following Fireworks Displays. <
http://pyrobin.com/…/perchlorate%20behavior%20in%20a%20muni… >. Acesso em 28/12/2015.
Sijimol MR & Mohan M. 2014. Environmental impacts of perchlorate with special reference to fireworks--a review.<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25004859>.
Acesso em: 28/12/2015.
O maior produtor de fogos de artifício do mundo é a China e o segundo o Brasil. O município de Santo Antônio do Monte, em Minas Gerais é o maior produtor no Brasil, mas os santoantonienses não costumam comemorar com fogos, por causa do extenso histórico de acidentes ( ver matéria 'Histórias de feridos em explosões em uma cidade que fabrica “foguetes”' , publicada no Diário da Manhã, em 5/7/2015). Os acidentes de trabalho na produção de fogos de artifício, geralmente são fatais ou mutilantes (para mais detalhes veja Vieira et al. 2001) .
Atualmente, a queima de fogos no Rio é a mais conhecida festa pirotécnica, no Brasil, presenciada por mais de 2 milhões de pessoas (ver matéria “Palcos do Réveillon de Copacabana recebem equipamentos; veja atrações“, publicada no G1, de 28/12), com a queima de 24 toneladas de fogos de artifícios, distribuídos em balsas por toda a orla, com uma duração estimada em 16 minutos. A festa adiciona 614 milhões de dólares (cerca de R$ 1,4 bilhão) à economia da cidade. Tudo começou em 1976, quando hotel Le Meridien iniciou uma cascata de fogos no seu prédio no Rio. Na virada de 2000 para 2001 um acidente grave com mortes e muitos feridos, em mais de um acidente com fogos de artifício no Rio ( ver matéria 'Fogos matam no Rio'e 'O horror dos fogos', publicada em Isto é: gente). Oito anos depois as vítimas ainda não haviam sido indenizadas (ver matéria 'Vítimas de tragédia durante queima de fogos em Copacabana ainda lutam por Justiça , publicada no Extra, em 26/12/2008.)
Outras cidades do país também realizam shows de pirotecnia na passagem de ano, como é o caso de Belo Horizonte, Fortaleza, Recife e São Paulo.
Pirotecnia mortal
Uma exibição de pirotecnia é considerada uma perturbação antropogênica e seus impactos sobre a vida selvagem representam uma justificada preocupação em termos de biologia da conservação. Para as pessoas que presenciam ou assistem pela TV, a pirotecnia é comumente vista como um grande e belo espetáculo. Cabe registrar, no entanto, que o barulho alto e repentino e as luzes brilhantes produzidos pelos fogos de artifício são uma fonte de estresse para muitos animais, tanto domésticos como selvagens. Um exemplo familiar é comumente presenciado por quem tem um cão. Os animais ficam muito agitados com o barulho, tentando se esconder; muitos latem, uivam ou até mesmo urinam. Estudos têm comprovado o que os tutores desses animais já sabiam: fogos de artifício representam uma experiência traumática para os cães.
A repentina mortandade de milhares de pássaros-pretos-da-asa-vermelha (Agelaius phoeniceus; “red-winged blackbirds”, em inglês), na pequena cidade de Beebe, no estado de Arkansas (Estados Unidos), na véspera da passagem de ano, em 2010, atraiu a atenção da mídia (ver as matérias “For Arkansas blackbirds, the New Year never came“, de Campbell Robertson, publicada no The New York Times, em 3/1/2011; e “Fogo-de-artifício terá causado pânico e morte a milhares de aves no Arkansas“, de Helena Geraldes, publicada no Público, em 4/1/2011). Imagens de radar mostraram que, naquela noite, grupos numerosos de aves deixaram os seus poleiros no meio de uma noite chuvosa. Fogos de artifício assustaram e desorientaram as aves, muitas das quais morreram ao se chocar violentamente contra obstáculos. Sem essa repentina perturbação, elas provavelmente teriam permanecido em seus poleiros noturnos.
Na Holanda, usando um radar meteorológico, um estudo quantificou a reação das aves aos fogos de artifício durante a passagem do ano, em três anos consecutivos (ver aqui; para detalhes técnicos, ver SHAMOUN-BARANES et al. 2011). Milhares de aves saíram em debandada pouco depois da meia-noite. Os bandos mais numerosos foram observados em áreas de pastagens e locais úmidos, incluindo áreas protegidas, onde milhares de aves aquáticas habitualmente descansam e se alimentam. Perturbações provocadas durante a época reprodutiva podem levar ao abandono de ninhos, deixando ovos e filhotes desprotegidos; isso eleva as taxas de mortalidade e contribui para uma redução nos efetivos populacionais.
Um coquetel perigoso
Durante um show pirotécnico podemos inalar uma grande quantidade de elementos químicos como: Sr (x86), K (x26), Ba (x11), Co (x9), Pb(x7), Cu (x5), Zn (4x), Bi(x4), Mg(4x), Rb(x4), Sb(x3), P(x3), Ca(x2), Mn(x2), As(x2), Ti(x2), SO4(x2) (para mais detalhes veja Moreno et al. 2010). Os números entre parênteses representa quantas vezes o elemento aumenta durante o show. Um risco para saúde e principalmente para os asmáticos.
Fogos de artifício também contaminam a água com perclorato (Sijimol MR & Mohan M. 2014; Wilkin et al. 2007; Motzer, 2001). O perclorato é um composto químico de um átomo de cloro e 4 átomos de oxigênio. É utilizado em airbag, produtos químicos industriais, explosivos e fogos. O perclorato é altamente solúvel em água e é persistente no ambiente. O perclorato pode afetar a função da glândula tireoide, que regula o metabolismo do corpo. Mulheres grávidas, fetos, bebês, crianças menores de 12 anos de idade e pessoas com hipotireoidismo são mais suscetíveis. Fogos lançados perto de água além de contaminarem a água, também contaminam organismos que vivem na água.
Problemas além da conta
São muitos problemas desde a produção até o lançamento dos fogos, para ver apenas alguns minutos de luzes coloridas. Será que vale a pena! Para que colorir o céu? Ele já é maravilhoso! Você já olhou para o céu hoje?Feliz Ano Novo!
Referência citada
SHAMOUN-BARANES, J. & outros 5 coautores. 2011. Birds flee en mass from New Year’s Eve fireworks. Behavioral Ecology 22: 1173-7.
Fontes
Moreno et al. 2010. Effect of fireworks events on urban background trace metal aerosol concentrations: Is the cocktail worth the show? Journal of Hazardous Materials 183 :945-949.
Motzer, 2001.Perchlorate: Problems, Detection, and Solutions. < http://www.sciencedirect.com/…/article/pii/S152759220190059X>. Acesso em 28/12/2015.
Wilkin et al. 2007. Perchlorate Behavior in a Municipal Lake Following Fireworks Displays. <
http://pyrobin.com/…/perchlorate%20behavior%20in%20a%20muni… >. Acesso em 28/12/2015.
Sijimol MR & Mohan M. 2014. Environmental impacts of perchlorate with special reference to fireworks--a review.<http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25004859>.
Acesso em: 28/12/2015.